Luciana de Assunção, jornalista e publicitária pela Universidade de Brasília (UnB), com pós-graduação em Comunicação com o Mercado pela ESPM/SP. Brasiliense, pisciana com ascendente em Leão, morou em Sampa e em Nova Iorque. Escreve o blog “Pisciana de Juba”, é autora do livro de crônicas As Desventuras de uma Mulher que levou um susto e sobreviveu (Confraria do Vento, 2019) e tem diversos textos líricos publicados em revistas e portais literários/culturais deste Brasilzão.
Atmosférico
aos quatro ventos midiáticos se espalham as palavras.
Algumas se escondem nas gavetas, outras se propagam pela aldeia.
As retidas nos ventrículos ferem, ruborizam.
As enviadas ao cérebro se expandem em memórias,
glórias e histórias recontadas aos quatro cantos.
Pontos cardeais são quatro
as direções, inúmeras.
Uma palavra la(n)çada à corrente de ar
retorna bumerangue ou acerta o infinito.
Minascraft
gastura tenho dos gados monteses,
pois não são cabritos ágeis.
Bovinos densos, paquidérmicos, encarapitados
nas laterais das montanhas
[que ainda não foram abocanhadas pela sanha mineral.
Até quando Minas guardará serras sem mordidas?
Partidas, decepadas, ceifadas, amputadas,
vítimas da guerra de poeira, pó de ferro,
minério que se esvai nos vagões.
Fantasmas gananciosos vagam nas madrugadas com seu apito famélico.
A ânsia de catas cada vez mais altas,
em vales dia após dia mais fundos,
provoca regurgitações sistemáticas.
Rejeitos bulímicos.
Coletividade
Na praça fazem pose:
pousam os passarinhos
os anjos da infância
e os flashes da natureza.
Deambulam pombos e pessoas,
beijos e bate-papos de porta-retratos.
Na praça a noiva ensaia a lua de mel
as fontes sorriem com uma úmida juventude.
As rosas não falam, mas posam em primeiro plano.
Os cães merecem e estão no céu
amigos dizem xis
livros são bem-vindos.
Na praça há liberdade de ir, de vir e de contornar no sentido do relógio imaginário.
Quem tem horas?
Quer pipoca?
Os sonhos em praça pública ganham a amplidão da coletividade.
Criação
A spalla grávida
empina a barriga pipa.
Marca o compasso,
saltita no espaço.
O bebê evolui ao som
dos instrumentos.
Flutua e rodopia
na fluidez amniótica
da composição.
Os minúsculos tímpanos de dentro
percutem no ritmo do tímpano cá de fora.
O acalanto emana das trompas de falópio
sopradas com esmero,
logo atrás dos violinos.
(será nina ou nino?)
Um bebê todo ouvidos absoluto
imerso na música do corpo maternal:
casulo-acústico-polifônico-allegro.
Adágio existencial.
Persistência
Um homem cospe no chão em Brasília e
a guerra estoura na Ucrânia.
Efeito da anacrônica borboleta macho
Quando o planeta será fêmea?
Não que o yang seja perfeito,
todavia mais flexível,
afeito à via do meio.
Paradoxalmente, preferia a cidade vazia, debaixo dos meus pés solitários,
silente ao escrutínio das minhas incursões.
Agora é preciso reaprender a compartilhá-la com quem cospe no chão,
faz xixi de frente ao muro,
caminha com máscaras no queixo,
deambula como pombos sem ninho.
Os homens são intrinsecamente sós.
Guerreiam contra seus demônios nos embates da masculinidade tóxica.
Às mulheres nos cabem a persistência
(alfabetizar os alfas)
na cartilha gregária da existência.
Foto de Luísa Machado.
Comment (3)
Trem bão demais estar publicada aqui!
Luciana sempre de olhos atentos no mundo e nas palavras. Escrita sagaz, poética, limpa.
Qua maravilhas poéticas. Parabéns, Luciana!